O cinema poético/social de Ladrões de Bicicleta
Ao
fim da Segunda Guerra Mundial, países inteiros estavam destruídos. A
destruição, porém, ia além dos aspectos físicos. Na verdade, isso era o de
menos diante das tantas mortes (crianças e idosos sequer foram poupados). O que
restava aos países que enfrentavam o ódio e a ira nazista era apenas a
reconstrução de suas vidas.
Os
sentimentos amargados devido à guerra fizeram surgir, em 1954, o neorrealismo
italiano. Essa escola, constituída por intelectuais de diversas áreas, buscava
reerguer o país, mostrando a comunhão cultural de uma sociedade que resistiria
e, sobretudo, refletiria o que tinha de melhor e pior. Usando esse cenário de
resistência e esse contexto histórico, o diretor Vittório de Sica grava, talvez
seu mais brilhante filme, Ladrões de Bicicleta.
Expoente
do neorrealismo italiano, Ladrões de
Bicicleta foi filmado em 1948 por Vittório de Sica, que empregou de forma
bastante fiel à realidade da sociedade pós-guerra. O personagem Antônio Ricci é
o exemplo maior de sobrevivente, que busca qualquer solução para levar o mínimo
de conforto e dignidade a sua família. Quando a oportunidade de emprego é
prejudicada devido ao roubo de sua bicicleta, transporte indispensável para manter
o trabalho, os telespectadores seguem Ricci durante a longa procura de
recuperar a bicicleta roubada. É no desespero de Antônio Ricci e na decepção do
seu filho Bruno, que vivenciamos fatos da vida real imersos em uma
cinematografia poética, característica do neorrealismo italiano.
A
ambientação do filme reflete também a nova concepção de cinema dos diretores
neorrealistas. Isso porque, o filme, ainda na sua primeira cena, mostra as
pessoas nas ruas, em filas, aparentemente ansiosas e preocupadas. A câmera
captura a cidade como ela é, sem vestes a encantar telespectadores, mas a
contar, em imagens, a realidade e os problemas enfrentados.
Um
fato curioso e também inteligente foi o recurso utilizado por Vittório de Sica
de escolher atores amadores para representar os papéis do filme. Sica acreditou
que a recepção seria ainda mais forte se conseguisse captar as emoções desses
atores diante de situações realmente verídicas, não ficções escritas em
roteiros. Esse também foi um recurso utilizado para fazer uma crítica implícita
ao cinema norte-americano. Pois, o cinema de Hollywood, nessa época, projetava
nos filmes apenas atores famosos, já considerados astros, que padronizavam “um
modo de se viver”. Em uma das cenas de Ladrões
de Bicicleta , o personagem Antonio está a colar um cartaz com uma
fotografia de uma atriz americana, expressando uma aparente felicidade
artificial que contrasta com o ambiente onde está o personagem.
O
momento talvez que o diretor expressa a angústia de forma ainda mais acentuada,
gerando inclusive desespero, é quando sem chances de recuperar a bicicleta,
Antônio se iguala ao seu ladrão e tenta, sem sucesso, também roubar uma
bicicleta. Diante do filho Bruno, vemos uma pai herói transformado em vilão e,
posteriormente em um ser comum diante da realidade cruel. As imagens em movimento,
o enquadramento de inúmeras bicicletas em um mesmo espaço, a sequência da longa
procura pelo transporte, produz no telespectador uma sensação de impotência. É
nesse momento de impotência que Vittório de Sica atinge o ponto alto de seu
cinema e mostra a falta de perspectiva da sociedade italiana diante a
destruição gerada pela guerra.
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